terça-feira, 19 de dezembro de 2017

FELIZ NATAL, OLIVEIRA!


FELIZ NATAL, OLIVEIRA!
Airton Sousa - Direto de Paciência – Rio de Janeiro

Não sei por onde anda o Oliveira, que em uma noite próxima ao Natal me inspirou a escrever este texto que compartilho com vocês hoje. Eu vivia em São Paulo. Escrevi este texto em 2007, bem antes do meu texto de estreia neste blog (se você ainda não leu, clique AQUI). Dez anos depois, não sei por onde anda o Oliveira. Eu voltei pra casa do Pai, de onde estava longe naquela época. E você? Por onde você anda e o que tem feito? Eu queria lhe dizer que o Natal pode ser uma noite feliz...

Desço na estação Jurubatuba e paro no quiosque onde sempre encontro a turma. E sem perceber fico por ali até a madrugada. Estou carregando uma bolsa térmica da Sadia. Presentinho de um fornecedor. A turma começa a se despedir. Eu fico mais um pouco... Quando aparece o Oliveira.

Oliveira é catador de latinhas. Não sei o seu nome. É negro, com uma barba branca. Difícil precisar sua idade. Ele caminha pelo recinto catando latinhas e como no quiosque não vende cigarros ele sai perguntando se alguém quer que ele vá ao shopping para comprar. Querem. Ele ganha o troco de caixinha. Ele limpa os carros dos frequentadores do quiosque. Ele engraxa sapatos, ele ajuda o dono do quiosque a arrumar as cadeiras e a lavar o chão. Faz isso por ajudar, não ganha nada não. Só de vez em quando o dono dá pra ele um marmitex que ele nem abre. Leva pra casa para as crianças. “Amanhã tem corrida em Interlagos, eu tenho que ir cedo para catar as latinhas de cerveja. Tem muito catador. É uma máfia. Se eu me der bem amanhã, dá pra conseguir uns cinquentinha.".

Oliveira mora no Jardim Cocaia, muito longe daqui do bairro. Mas ele vai a pé. Não anda de ônibus, pra economizar. Todo dinheiro que ganha durante a noite ele dá para a patroa comprar comida. Tem dois filhinhos novos, ainda. Votou no Lula. “Ô homem bom!”

- No Lula?
- Ele cuida dos pobres. Se ele sair vão acabar com a ajuda que ele dá pra gente. É por isso que ninguém gosta do Lula, porque ele cuida da gente. É Deus no céu e Lulalá. (Falar o que pra ele? Que ele tá errado?)

É muito difícil andar pela madrugada no bairro sem encontrar o Oliveira.
“- Boa noite patrão! Tá tudo bem. Eu vou acompanhar o senhor até sua esquina. Teve um assalto hoje, ali no seu bairro.”

E assim vamos caminhando e conversando; é uma noite meio fria, esta sexta feira.

Choveu muito durante o dia.

Ele nunca conheceu seu pai nem sabe quem é. Nem por isso faz da sua vida um drama. Ele odeia filmes porque dão sono. Odeia ler, também. O que ele gosta mesmo é de ver o programa do Gugu. E aproveita e pede: “O senhor pode escrever uma carta pra mim? É pro Gugu. Eu quero que ele me ajude a voltar pra minha terra”. É corintiano doente. Mas não liga nem sofre. “Esses jogadores estão com o burro na sombra. Eu não fico sofrendo por causa deles não, moço”.

Ele emenda um assunto com o outro: “Você viu, seu moço? O sobrinho da Fátima morreu. Se matou. Como é que alguém com a vida tão bonita, com dinheiro, estudado... Um moço bonito, sabe?, pode conquistar qualquer mulher. Tanta coisa boa pra se fazer na vida! Como é que um ser humano desse vai querer morrer? Mas sabe o que é isso, seu moço? Esse povo estuda muito pra ficar burro. O rapaz que se matou era ateu. Falava que Deus não existe. Agora quem não existe é ele, né, moço?”.

Oliveira não sabe que eu trabalho em agência de publicidade, que estudei muito, que tenho um blog. Não sabe o que é Orkut. Ele queria mesmo era uma TV daquelas bem grandes pra poder assistir o Gugu. Faustão ele não gosta não. Ele diz que “depressão é coisa de rico; pobre não tem tempo pra isso não, moço.”. Ele não sabe o que é você ler, ler e ler, e continuar sabendo que você não leu um quinto do que deveria ter lido para ser considerado alguém, no mínimo, inteligente. Ele não gosta de religião nenhuma não. Mas gosta de ler os salmos. Ele acredita em Deus. Ele aprendeu a rezar e sempre faz isso. “Deus é muito bom, moço!” Ele não sabe como a gente é idiota e se preocupa com um monte de coisas que ele sequer imagina que existam. Ele pretende ganhar cinquentinha amanhã pra gastar no mercado. Nem imagina que acabei de gastar o dobro disso com um monte de besteiras. Ele não sabe a agonia que é ficar preso no trânsito da marginal Pinheiros com tantas praias lindas lá na terra dele, “que se o Gugu, ler a minha carta, eu vou voltar e vou vender água de coco na praia. Vende muito, moço, vai muito turista lá.”...


Enfim, chegamos na minha esquina. Eu me despeço e agradeço a companhia. Num impulso ofereço a bolsa térmica que estou carregando. Digo que é um presente de Natal. É simples, tem um peru e um pernil. “É pra você comemorar o Natal com sua família.” Ele abre a bolsa. “Moço, faz tanto tempo que não como isso não! Minha patroa vai adorar. Obrigado, patrão!”

- Feliz Natal, Oliveira!

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