sexta-feira, 23 de junho de 2017

SIM, A GENTE CHORA.


SIM, A GENTE CHORA.
Denize Vicente – Cidade (ainda) Maravilhosa/RJ

Você viu a chuva de terça-feira. Onde eu moro caíram gotinhas. A uns quilômetros daqui foi quase um dilúvio. Gente perdeu casa, perdeu bens. Vidas quase se perderam na correnteza. Desabamentos. Mas passou. Oficialmente, “o Rio passou no teste da chuva”1. Será? Eu só sei que choramos...


Há poucas semanas, no começo deste mês, Jackson estava sofrendo a dor de perder sua tia – coração puro, um ser bondoso e amável, que viveu como Jesus viveu, mas que partiu depois de muito sofrimento com uma doença que dilacera o nosso coração e nos comove sempre que faz mais uma vítima... Choramos junto a dor que ele sentiu.

Faz alguns meses, quase todos os passageiros e tripulantes de um avião que levava um time de futebol para jogar no exterior morreram, e a gente se viu chorando por famílias e sonhos que ficaram despedaçados...

São muitas coisas tristes... Você tem suas particulares histórias de lágrimas também, eu sei.


Mas um dia se segue ao outro dia. O desespero do ontem, às vezes manifestado com gritos de horror e agonia, dá lugar aos poucos a um silêncio doído, um choro quieto e amargo. Nessa hora nada acalma o coração, a não ser o pensamento em Deus - Aquele que conhece o fim desde o princípio - o Único capaz de enxugar nosso pranto. E eu nem sei como. Há muitas coisas que não se explicam, neste mundo. E mesmo quando explicadas não se justificam. Não são justas. Não podiam ter acontecido. Não. E não. Nunca. A fé, num Deus que não nos abandona, jamais, e que tem braços de amor do tamanho do mundo, para nos abraçar, serve de amparo e consolo quando tudo falha. E se você não crê nisso, tudo fica ainda muito mais difícil... E pensando nisso foi que me lembrei deste texto do Rubem Alves. E quero compartilhar com você.


Os trinta e três nomes de Deus2

De vez em quando perguntam-me se acredito em Deus. Mas é claro. Acredito mais que a maioria das pessoas. Tenho até trinta e três nomes para ele. Esses nomes foi a Margueritte Yourcenar que me contou. Ela foi uma escritora maravilhosa, autora do livro Memórias de Adriano, quem lê nunca mais esquece, quer ler de novo. Pois esses são os trinta e três nomes de Deus que ela me ensinou. É só falar o nome, ver na imaginação o que o nome diz, para que a alma se encha de uma alegria que só pode ser um pedaço de Deus... Mas é preciso ler bem devagarinho... 1.Mar da manhã. 2.Barulho da fonte nos rochedos sobre as paredes de pedra. 3.Vento do mar de noite, numa ilha... 4.Abelha. 5.Voo triangular dos cisnes. 6. Cordeirinho recém-nascido.... 7.Mugido doce da vaca, mugido selvagem do touro. 8.Mugido paciente do boi. 9. Fogo vermelho no fogão. 10.Capim. 11.Perfume do capim. 12.Passarinho no céu. 13.Terra boa... 14.Garça que esperou toda a noite, meio gelada, e que vai matar sua fome no nascer do sol. 15. Peixinho que agoniza no papo da garça. 16. Mão que entra em contato com as coisas. 17.A pele, toda a superfície do corpo 18. O olhar e tudo o que ele olha. 19.As nove portas da percepção. 20.O torso humano. 21.O som de uma viola e de uma flauta indígena. 22.Um gole de uma bebida fria ou quente. 23.Pão. 24.As flores que saem da terra na primavera. 25.Sono na cama. 26. Um cego que canta e uma criança enferma. 27. Cavalo correndo livre. 28.A cadela e os cãezinhos. 29.Sol nascente sobre um lago gelado. 30.O relâmpago silencioso. 31. O trovão que estronda. 32.O silêncio entre dois amigos. 33.A voz que vem do leste, entra pela orelha direita e ensina uma canção...

Agradeço ao Carlos Brandão por haver me apresentado os trinta e três nomes de Deus da Margueritte. Não é preciso que sejam os seus. Faça a sua própria lista. Eu incluiria: Ouvir a sonata Apassionata de Beethoven. Sapos coaxando no charco. O canto do sabiá. Banho de cachoeira. A tela “Mulher lendo uma carta”, de Vermeer. O sorriso de uma criança. O sorriso de um velho. Balançar num balanço tocando com o pé as folhas da árvore... Morder uma jabuticaba... Todas essas coisas são os pedaços de Deus que conheço... Sim, acredito muito em Deus.
Rubem Alves - Quarto de Badulaques (LXXX)


As lágrimas de solidariedade que choramos, as lágrimas que derramamos pelo sofrimento de amigos ou de desconhecidos que nunca vimos, mas que não queríamos que experimentassem a angústia e a aflição, o desabrigo, a perda dos seus bens materiais e de bens maiores, como de entes queridos... para mim também são pedaços de Deus que eu conheço. “Sim, acredito muito em Deus.”


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Referências:

1.    A cidade do Rio passou no teste da chuva? – disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/a-cidade-do-rio-passou-no-teste-da-chuva-21505097 - acessado em 21.06.2017.

2.    Rubem Alves – Crônicas - disponível em www.institutorubemalves.org.br/ - acessado em 21.06.2017.
 

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